Pra ser sincera eu nem sei se o que vou escrever agora cabe na proposta do blog. Mas é que tem vezes que sinto que tem tanta coisa dentro de mim que eu preciso escrever um pouco sobre elas, pra tentar entendê-las ou dar-lhes significado.
Ou até pra senti-las numa outra intensidade...
E pra compartilhar com aqueles que gostam de ler...
Acontece que como muitos - senão todos - brasileiros, eu tenho o sangue “misturado”. E parte dele é libanês. E a história deste sangue e desta família eram para mim como, digamos assim, a mitologia grega: linda, meio irreal e muito, mas muito, muito distante. Mas por um golpe do destino, ou de Deus (e mesmo sem eu seguir ou simpatizar com qualquer religião, digo que Deus interferiu nesta história), minha viagem para a Austrália, que antes mais era pra ser uma viagem de solidão e introspecção do que de reencontro e amor, me colocou em contato com um passado que eu achava já ter morrido.
Conheci pessoas que conheceram minha bisavó.
Ouvi da boca de um primo distante histórias de quando ele se sentava no colo do meu tataravô para ouvir contos sobre a bravura dos homens diante de animais selvagens.
Ouvi histórias sobre a terra que minha bisavó tanto amava e sentia falta.
Ouvi a língua que eu desconhecia, e que naquele momento e ainda hoje, me envolve num manto de magia...
É um mantra...
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Karm-el-Mohr, "our village" no Líbano |
Era como se eu tivesse viajado ao passado.
Era como se eu tivesse ido para um outro plano.
Era como se eu tivesse ligado a terra dos meus antepassados, tão cheias de histórias não compreendidas de ouro, cabras, baleias e muçulmanos malvados que raptam menininhos, ao meu coração.
E então eu compreendi muito mais a Vida.
A história.
O valor da família...
E entendi que tudo isso se resume a Amor...
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Navio Colombo, que trouxe minha bisavó |
Eu descobri sobre a vida das irmãs da minha bisavó.
Sobre como elas sentiam saudades da irmã mais velha que partira, tão jovem, com um filho nos braços, num navio para o distante "Brosil".
Para nunca mais voltar...
Soube detalhes de suas vidas, seu dia-a-dia, suas famílias.
Soube como viveram.
E como morreram.
Descobri que uma das irmãs continua viva, e mora numa vilazinha do norte do Líbano.
Descobri também que não posso lhe enviar cartas e fotos, pois lá os correios não chegam.
Mas descobri que ela tem telefone.
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Minha bisavó Mariam Boutros e seu filho mais velho, tio Jorge Khallil Stpehen, em ocasião de sua partida do Líbano com destino ao Brasil. (1928) |
E quando eu ouvi sua voz pela primeira vez, foi como se, por um milésimo de segundo, eu fosse um foguete voando pelos céus escuros. Para mim foi como se eu pairasse no tempo e no espaço.
Não sentia meu corpo.
Não enxergava nada em frente a meus olhos.
Apenas aquela voz, me dizendo palavras numa língua que não entendo... me proporcionaram a mais forte de todas as emoções de minha vida.
E eu chorei como uma criança.
E é por isso que de vez em quando, como agora a pouco, eu pego o telefone e ligo para lá.
Ela atende o telefone e eu só digo: “Briscila, Brosil”.
E ela diz: "Habib!"
Eu sei que não conseguimos compreender uma a outra.
Ela fala e eu só fico ouvindo, me enchendo de paz e alegria.
Às vezes parece que até entendo o que ela diz... que me ama, que quer me ver antes de morrer, me pergunta da família...
E eu não entendo nada...
E eu não consigo dizer nada...
Só quero mesmo ouvir sua voz e sentir sua emoção.
Apenas essa voz, enrolada e tão linda, me basta.
Aí, quando eu sinto que vou explodir, digo: “Yalla, bye”..
...e choro...
...de emoção e alegria...
PS: e o post sobre os apartamentos fica adiado mais uma vez...